Não sei o que é que me fascina no barulho - talvez o facto de viver com ele constantemente, todas as horas e dias e semanas lidando com os pneus dos carros que passam pela Nacional 10, com o ratatatata das obras em ruas e prédios e parques, com o drone semi-longínquo dos aviões que passam (menos longínquo quando se lembram de aterrar para reparações), com o mmmmmm constante do portátil, com os gritos e gritinhos dos miúdos a jogar à bola na praceta - talvez o facto de estar tão dessensibilizado que o barulho, formado por uns ou por outros sons, me é familiar e tem o mesmo efeito calmante de um abraço amigo. E então, em alturas mais stressantes, amplifico-o, sobretudo na sua forma japonesa, e deixo que mate um bocadinho mais o ego e lave terapeuticamente os meus pecados.
Porque é mais punk, porque é exótico, sei lá: hoje fala-se de barulho (ou noise, para dar aquele elã) e é impossível não mencionar Merzbow, Hanatarash, Masonna e todos os demais loucos que deram ao país do Sol Nascente uma aura ainda mais bizarra que a que tinham já, com todos aqueles robôs gigantes e máquinas de venda automática e katanas e já as CocoRosie diziam everybody wants to go to Japan. Pensa-se é menos no que terá influenciado esta gente toda. A resposta: a Los Angeles Free Music Society, colectivo formado nos anos 70 por gente que achava o rock n' roll mainstream aborrecido, preferindo sobretudo o ethos do género: posicionar-se nas margens e fazer barulho.
Os Airway foram apenas um dos seus braços, projeto de Joe Potts com a ajuda de várias figuras dentro do colectivo, um braço que acabaria por formar o corpo inteiro de bandas como os Hijokaidan (todas estas referências é para irem procurar no YouTube, amigões. Sejam livres). Ao longo de uma vida que não o chegou a ser - porque este tipo de projectos é para fazer uma vez e partir para outra -, os Airway tiveram apenas uma rodela de vinil com o seu nome, registo de uma performance no Los Angeles Contemporary Exhibitions, espaço dedicado às artes visuais. Não havendo vídeo acoplado ao disco, não dá para perceber se a ideia de Potts de um assalto subliminar aos sentidos (15 anos antes da "Zoo TV" dos U2 tentar um assalto total) foi bem concretizada, nem há muita gente a quem o possamos perguntar. Mas podemos chamar-lhe barulho, porque é assim que Rick Potts, o seu irmão, descreve a sonoridade dos demais projetos da Los Angeles Free Music Society.
Que tipo de barulho? Do bom, claro, e que arranca com uma bateria primitiva, antes de dar a vez - naquilo que é a qualidade menos caótica do disco, já que indica ordem - ao saxofone free jazz e à guitarra eléctrica, num ritmo constante e que acelera ali por volta dos oito minutos. Até que no lado B surge a voz, alienígena e incompreensível (compararam-na por aí ao que o Brian Chippendale faz nos Lightning Bolt e é uma comparação que faz algum sentido), para tudo terminar 28 minutos depois com o tribalismo catártico que se espera de uma sessão de ruído. Claro que não é tão abrasivo como algumas das coisas eletrónicas que veio a influenciar, e que mereceriam um 9 ou um 10 numa improvisada escala de Richter para o barulho, mas é fixe para irritar os vizinhos.