The lunatic is on the grass...
A
minha favorita sempre foi a 'Brain Damage' – a forma como o wah-wah
da 'Any Colour You Like' é cortado de forma quase abrupta, para dar
lugar a uma melodia cheia, realmente, de cor, os versos a abrir
caminho por um estado de alma muito britânico e para o qual
arranjaram uma palavra que considero belíssima: madcap,
que não só significa o típico “louco” como também “divertido”
ou “excêntrico”. Até pode, aliás, ser as três coisas numa só.
Mas falava de 'Brain Damage', que me conquistou por essa sua natureza
etérea, LSD sinestésico onde fadinhas e elfos correm pelos jardins
das universidades.
Só
mais tarde, quando abri caminho por toda a discografia dos Pink Floyd
e, por arrasto, pela sua história é que percebi que 'Brain Damage'
era sobre Syd Barrett, o génio que da compreensão foi ao seu oposto
e acabou perdido para a doença mental. E se a banda da
qual fazes parte começar a tocar canções diferentes?
Pois, isso chegou a acontecer de facto, quando Syd ainda fazia parte
da banda. Se foi ele o motor dos Pink Floyd e se eles soavam pior sem
ele, é discussão que não vai chegar a lado algum (um pouco à
semelhança daquelas discussões sobre o melhor álbum dos Beatles,
que é de facto o “Revolver”, e quem não concorda pode chupar-me
a piça). Também já fui desses: oh, sim, a 'Interstellar Overdrive'
é melhor que tudo o resto, a partir daí ficaram azeiteiros, etc.,
etc. Depois cresci e percebi que a segunda parte da frase era
mentira, que a primeira até podia ser algo verdade – para quem
gosta de chutar electricidade numa veia –, e que “The Dark Side
Of The Moon” é, ao lado de “The Wall”, o disco mais completo
dos Pink Floyd, sendo estritamente necessária a sua audição como
um todo, com ou sem “O Feiticeito de Oz” a dar na televisão (e
eu nunca sequer o vi do início ao fim).
Em
“The Dark Side Of The Moon”, livro escrito por John Harris sobre
a história do álbum, Roger Waters oferece uma explicação
ligeiramente mais filosófica para 'Brain Damage': «Quando vês isso
a acontecer» – isto é, os problemas mentais de Syd – «a alguém
de quem foste amigo próximo e conheceste durante quase toda a tua
vida, faz com que te concentres no quão efémeras podem ser as
sensibilidades e capacidades mentais de uma pessoa». Na 'Brain
Damage', continuou, «expressámos a ideia de que uma pessoa não é,
necessariamente, dona da sua própria identidade; somos todos
marionetas, e as cordas das nossas vidas são puxadas pela nossa
história, pelas nossas experiências, pelos nossos pais, pelos
nossos antepassados».
(Ele
até dizia coisas giras antes de se tornar num tankie
de merda)
“The
Dark Side Of The Moon”, o álbum, pode ser assim a tentativa de
Waters de tentar reunir, num grande congresso cósmico, todos aqueles
que se sentem ou sentiram à parte a dada altura das suas vidas –
os que foram apelidados de loucos, de hippies
malditos por acreditarem no amor, de parasitas sociais por não
acreditarem na libertação inerente ao trabalho (cruzes credo). «Se
sentirem que são loucos porque acham que está tudo louco, não
estão sozinhos», acrescentaria ainda o baixista. Se não há espaço
para nós na terra e se a história do mundo se define num nós
contra eles, mais vale mesmo ir morar para o lado negro da lua –
aquele que nunca é visível da nossa perspectiva.
Desde
que foi lançado que “The Dark Side Of The Moon” é um dos álbuns
mais bem sucedidos da história da música gravada, deixando os seus
compositores com a carteira bem recheada, financiando “O Cálice
Sagrado” dos Monty Python, ensinando milhões de baixistas a tocar
a 'Money' (culpado) e, como escreve Harris, alimentando a raiva dos
adolescentes «que se começam a querer rebelar contra o status
quo».
A rebelião ali contida teve de passar por muito – os temas foram
apresentados ao vivo bem antes de serem gravados em fita – e a
Humanidade ali presente choca de frente com o facto de, à altura, os
Pink Floyd terem começado a andar de costas voltadas (novamente
culpa de Waters). Mas é uma rebelião, contra o
sistema, tome ele a forma que tomar. «A ideia de base que liga todas
essas canções – as pressões da vida moderna – encontraram um
público universal, e continuam a prender a imaginação das
pessoas», apontou Nick Mason na sua autobiografia.
Claro
que “The Dark Side Of The Moon” também tem falhas, nomeadamente,
ter inspirado os Dream Theater a fazer um álbum de versões de
merda. A outra foi ter marcado o início do fim dos Pink Floyd: para
trás ficaram as longas jams
psicadélicas, para a frente ficaram as canções polidas e o ego de
Roger Waters, juntamente com a ansiedade provocada pelas editoras em
busca de um volume dois: «Ficámos mais conscientes daquilo que cada
membro da banda havia contribuído», escreve Mason, indicando o fim
da democracia popular e o início de um comité central de um homem
só. A última faísca dos velhos Pink Floyd brilhou no Live 8,
quando 'Breathe' entrou no Hyde Park, Waters abanou a cabeça ao som
de 'Money' e um abraço final pôs termo ao passado daquelas quatro
pessoas; daí para a frente tudo foi miséria, bate-boca, tiradas
absurdas. Este ano Waters prometeu lançar uma nova versão de “The
Dark Side Of The Moon”, que independentemente das cópias que venda
irá, sempre, falhar miseravelmente. Porque um lunático só é forte
no meio dos seus semelhantes.