quinta-feira, 30 de março de 2023

Miley Cyrus - Endless Summer Vacation (2023)

 


Eu gosto da Miley Cyrus. Ou, melhor dizendo: eu gosto do conceito de uma Miley Cyrus: nepobaby opta por seguir as pisadas do pai, acaba na Disney, constrói uma legião de fãs (sobretudo crianças), descarta o seu passado musical com uma reinvenção altamente sexuada que passará a encher estádios (sobretudo de pais e crianças), manda nudes ao Wayne Coyne e lança o melhor álbum da carreira, lembra-se que guitarras é que é e faz um disco de rock merdoso anos 80, chega aos 30 anos e começa a sentir nostalgia pela juventude passada ao mesmo tempo que tenta, uma vez mais, ser radiofónica, com uma ajudinha da country de merda da família.

Gosto deste conceito porque mostra que uma estrela pop não tem de existir numa redoma e manter a mesma personalidade para sempre: a Miley já vestiu (e despiu) tantas roupas e identidades que é uma espécie de Fernando Pessoa das majors, mesmo que nunca tenha escrito algo tão violento quanto a 'Ode Marítima'. Numa era em que se diz que as pessoas são CaNcElAdAs por dizerem coisas erradas, a Miley é das poucas que nunca se preocupou em dizer a coisa certa assim que a Hannah Montana se transformou num autocolante perdido nos cadernos do ensino básico. 

Foi dela um dos melhores concertos que já vi de uma grande estrela pop: Altice Arena, 2014, bancadas cheias de famílias que achavam piada àquela loirinha com um microfone, e que muito depressa deixaram de lhe achar piada assim que ela começou a simular masturbação em palco. Chocar a burguesia é uma coisa maravilhosa. A Miley Cyrus, nessas duas horas, foi a enfant mais terrible deste lado do meu coração anarca. E ainda acabou a cantar Smiths, que é uma coisa que poucos hoje em dia (e bem, se calhar) fazem.

Gosto do conceito de uma Miley Cyrus porque mesmo com uma máquina por trás houve ali um breve instante em que ela tentou devorar a máquina. Falhou miseravelmente, e nunca mais poderá voltar a esse período. É pena, porque o "Dead Petz" é realmente bastante bom e a minha cabeça ainda se lembra, ora por ora, do balançar redneck da '4x4'.

Mas este "Endless Summer Vacation"? É um lembrete do porquê de eu gostar tanto do inverno.

quinta-feira, 9 de março de 2023

Ballboy - Club Anthems 2001 (2001)

 


Há discos que nos acertam em cheio. O falecido Fernando Magalhães, por exemplo, tinha uma história gira sobre a forma como o “Metal Box”, dos PIL, o marcou. Mas se eu escrevo esta frase não é para fazer uma graçola saída do manual de instruções dos Irmãos Marx, e sim para dar uma relevância ligeiramente mais espiritual, mais mística, à coisa. O que, para um antiteísta convicto, é dizer muito.

Formados em 1997, os Ballboy tiveram uma existência complicada. Não por quaisquer quezílias internas ou porque uma tragédia se abateu sobre os membros do grupo, mas porque foram praticamente obrigados a viver à sombra de uma outra banda escocesa: os Belle And Sebastian, com quem foram – e continuam a ser – comparados. Em 2002, o vocalista e guitarrista Gordon McIntyre afirmou numa entrevista que «é sempre um elogio sermos comparados a boas bandas, mas essas comparações são preguiçosas», que é a resposta standard de toda e qualquer banda indie sem paciência para aturar palermas.

John Peel, que os adorava, deu-lhes o destaque merecido, mas a história da música alternativa parece tê-los colocado ao nível de uma nota de rodapé. A prova viva disso é que só este ano, com a reedição em vinil deste mesmo “Club Anthems 2001”, é que muitos – eu incluído – chegaram até eles. O que, considerando que estão aqui presentes algumas das melhores canções das nossas vidas, é um verdadeiro absurdo. Basta começar pelo início: a doçura de 'Donald In The Bushes With A Bag Of Glue', onde a patetice – e, porque não, uma certa poética meio pretensiosa, meio witty – se cruza com um ritmo constante e simplista e melodias de xilofone.

Mas não é só. Há o espaço, em formato acústico, contido na maravilhosa 'A Day In Space', como se Jason Pierce nunca tivesse ficado agarrado ao cavalo (e escrevê-lo é preguiçoso da minha parte, mas caguei). Há 'Dumper Truck Racing', uma carta de esperança para o futuro de todos os adolescentes, tenham eles a idade que tiverem. Até sabe melhor com uma depressão nos cornos e é melhor que diazepam. Há 'Public Park', dona deste verso maravilhoso: You are the most beautiful girl in the world / And he'll be Elvis Presley to your Marilyn Monroe..., e agora vocês reparam que estou a mencioná-las todas de seguida porque, caraças, este é um disco / colectânea absolutamente perfeitos do início ao fim, e não falar de todas as canções aqui incluídas dá-me urticária. Mas como estou a ouvi-lo, ao disco, neste preciso momento e não me apetece perder mais tempo a escrever, resta-me lamentar que 'I've Got Pictures Of You In Your Underwear' não seja tão verdade quanto desejo, que é uma forma simpática de dizer mandem nudes. E agora vou continuar a sonhar, se fizerem o favor.


quarta-feira, 1 de março de 2023

Pink Floyd - The Dark Side Of The Moon (1973)

 


The lunatic is on the grass...

A minha favorita sempre foi a 'Brain Damage' – a forma como o wah-wah da 'Any Colour You Like' é cortado de forma quase abrupta, para dar lugar a uma melodia cheia, realmente, de cor, os versos a abrir caminho por um estado de alma muito britânico e para o qual arranjaram uma palavra que considero belíssima: madcap, que não só significa o típico “louco” como também “divertido” ou “excêntrico”. Até pode, aliás, ser as três coisas numa só. Mas falava de 'Brain Damage', que me conquistou por essa sua natureza etérea, LSD sinestésico onde fadinhas e elfos correm pelos jardins das universidades.

Só mais tarde, quando abri caminho por toda a discografia dos Pink Floyd e, por arrasto, pela sua história é que percebi que 'Brain Damage' era sobre Syd Barrett, o génio que da compreensão foi ao seu oposto e acabou perdido para a doença mental. E se a banda da qual fazes parte começar a tocar canções diferentes? Pois, isso chegou a acontecer de facto, quando Syd ainda fazia parte da banda. Se foi ele o motor dos Pink Floyd e se eles soavam pior sem ele, é discussão que não vai chegar a lado algum (um pouco à semelhança daquelas discussões sobre o melhor álbum dos Beatles, que é de facto o “Revolver”, e quem não concorda pode chupar-me a piça). Também já fui desses: oh, sim, a 'Interstellar Overdrive' é melhor que tudo o resto, a partir daí ficaram azeiteiros, etc., etc. Depois cresci e percebi que a segunda parte da frase era mentira, que a primeira até podia ser algo verdade – para quem gosta de chutar electricidade numa veia –, e que “The Dark Side Of The Moon” é, ao lado de “The Wall”, o disco mais completo dos Pink Floyd, sendo estritamente necessária a sua audição como um todo, com ou sem “O Feiticeito de Oz” a dar na televisão (e eu nunca sequer o vi do início ao fim).

Em “The Dark Side Of The Moon”, livro escrito por John Harris sobre a história do álbum, Roger Waters oferece uma explicação ligeiramente mais filosófica para 'Brain Damage': «Quando vês isso a acontecer» – isto é, os problemas mentais de Syd – «a alguém de quem foste amigo próximo e conheceste durante quase toda a tua vida, faz com que te concentres no quão efémeras podem ser as sensibilidades e capacidades mentais de uma pessoa». Na 'Brain Damage', continuou, «expressámos a ideia de que uma pessoa não é, necessariamente, dona da sua própria identidade; somos todos marionetas, e as cordas das nossas vidas são puxadas pela nossa história, pelas nossas experiências, pelos nossos pais, pelos nossos antepassados».

(Ele até dizia coisas giras antes de se tornar num tankie de merda)

The Dark Side Of The Moon”, o álbum, pode ser assim a tentativa de Waters de tentar reunir, num grande congresso cósmico, todos aqueles que se sentem ou sentiram à parte a dada altura das suas vidas – os que foram apelidados de loucos, de hippies malditos por acreditarem no amor, de parasitas sociais por não acreditarem na libertação inerente ao trabalho (cruzes credo). «Se sentirem que são loucos porque acham que está tudo louco, não estão sozinhos», acrescentaria ainda o baixista. Se não há espaço para nós na terra e se a história do mundo se define num nós contra eles, mais vale mesmo ir morar para o lado negro da lua – aquele que nunca é visível da nossa perspectiva.

Desde que foi lançado que “The Dark Side Of The Moon” é um dos álbuns mais bem sucedidos da história da música gravada, deixando os seus compositores com a carteira bem recheada, financiando “O Cálice Sagrado” dos Monty Python, ensinando milhões de baixistas a tocar a 'Money' (culpado) e, como escreve Harris, alimentando a raiva dos adolescentes «que se começam a querer rebelar contra o status quo». A rebelião ali contida teve de passar por muito – os temas foram apresentados ao vivo bem antes de serem gravados em fita – e a Humanidade ali presente choca de frente com o facto de, à altura, os Pink Floyd terem começado a andar de costas voltadas (novamente culpa de Waters). Mas é uma rebelião, contra o sistema, tome ele a forma que tomar. «A ideia de base que liga todas essas canções – as pressões da vida moderna – encontraram um público universal, e continuam a prender a imaginação das pessoas», apontou Nick Mason na sua autobiografia.

Claro que “The Dark Side Of The Moon” também tem falhas, nomeadamente, ter inspirado os Dream Theater a fazer um álbum de versões de merda. A outra foi ter marcado o início do fim dos Pink Floyd: para trás ficaram as longas jams psicadélicas, para a frente ficaram as canções polidas e o ego de Roger Waters, juntamente com a ansiedade provocada pelas editoras em busca de um volume dois: «Ficámos mais conscientes daquilo que cada membro da banda havia contribuído», escreve Mason, indicando o fim da democracia popular e o início de um comité central de um homem só. A última faísca dos velhos Pink Floyd brilhou no Live 8, quando 'Breathe' entrou no Hyde Park, Waters abanou a cabeça ao som de 'Money' e um abraço final pôs termo ao passado daquelas quatro pessoas; daí para a frente tudo foi miséria, bate-boca, tiradas absurdas. Este ano Waters prometeu lançar uma nova versão de “The Dark Side Of The Moon”, que independentemente das cópias que venda irá, sempre, falhar miseravelmente. Porque um lunático só é forte no meio dos seus semelhantes.

Damo Suzuki (1950-2024)

  Ain't got no time for western medicine / I am Damo Suzuki , cantava Mark E. Smith na bonita homenagem que os seus The Fall fizeram ao...