quarta-feira, 1 de março de 2023

Pink Floyd - The Dark Side Of The Moon (1973)

 


The lunatic is on the grass...

A minha favorita sempre foi a 'Brain Damage' – a forma como o wah-wah da 'Any Colour You Like' é cortado de forma quase abrupta, para dar lugar a uma melodia cheia, realmente, de cor, os versos a abrir caminho por um estado de alma muito britânico e para o qual arranjaram uma palavra que considero belíssima: madcap, que não só significa o típico “louco” como também “divertido” ou “excêntrico”. Até pode, aliás, ser as três coisas numa só. Mas falava de 'Brain Damage', que me conquistou por essa sua natureza etérea, LSD sinestésico onde fadinhas e elfos correm pelos jardins das universidades.

Só mais tarde, quando abri caminho por toda a discografia dos Pink Floyd e, por arrasto, pela sua história é que percebi que 'Brain Damage' era sobre Syd Barrett, o génio que da compreensão foi ao seu oposto e acabou perdido para a doença mental. E se a banda da qual fazes parte começar a tocar canções diferentes? Pois, isso chegou a acontecer de facto, quando Syd ainda fazia parte da banda. Se foi ele o motor dos Pink Floyd e se eles soavam pior sem ele, é discussão que não vai chegar a lado algum (um pouco à semelhança daquelas discussões sobre o melhor álbum dos Beatles, que é de facto o “Revolver”, e quem não concorda pode chupar-me a piça). Também já fui desses: oh, sim, a 'Interstellar Overdrive' é melhor que tudo o resto, a partir daí ficaram azeiteiros, etc., etc. Depois cresci e percebi que a segunda parte da frase era mentira, que a primeira até podia ser algo verdade – para quem gosta de chutar electricidade numa veia –, e que “The Dark Side Of The Moon” é, ao lado de “The Wall”, o disco mais completo dos Pink Floyd, sendo estritamente necessária a sua audição como um todo, com ou sem “O Feiticeito de Oz” a dar na televisão (e eu nunca sequer o vi do início ao fim).

Em “The Dark Side Of The Moon”, livro escrito por John Harris sobre a história do álbum, Roger Waters oferece uma explicação ligeiramente mais filosófica para 'Brain Damage': «Quando vês isso a acontecer» – isto é, os problemas mentais de Syd – «a alguém de quem foste amigo próximo e conheceste durante quase toda a tua vida, faz com que te concentres no quão efémeras podem ser as sensibilidades e capacidades mentais de uma pessoa». Na 'Brain Damage', continuou, «expressámos a ideia de que uma pessoa não é, necessariamente, dona da sua própria identidade; somos todos marionetas, e as cordas das nossas vidas são puxadas pela nossa história, pelas nossas experiências, pelos nossos pais, pelos nossos antepassados».

(Ele até dizia coisas giras antes de se tornar num tankie de merda)

The Dark Side Of The Moon”, o álbum, pode ser assim a tentativa de Waters de tentar reunir, num grande congresso cósmico, todos aqueles que se sentem ou sentiram à parte a dada altura das suas vidas – os que foram apelidados de loucos, de hippies malditos por acreditarem no amor, de parasitas sociais por não acreditarem na libertação inerente ao trabalho (cruzes credo). «Se sentirem que são loucos porque acham que está tudo louco, não estão sozinhos», acrescentaria ainda o baixista. Se não há espaço para nós na terra e se a história do mundo se define num nós contra eles, mais vale mesmo ir morar para o lado negro da lua – aquele que nunca é visível da nossa perspectiva.

Desde que foi lançado que “The Dark Side Of The Moon” é um dos álbuns mais bem sucedidos da história da música gravada, deixando os seus compositores com a carteira bem recheada, financiando “O Cálice Sagrado” dos Monty Python, ensinando milhões de baixistas a tocar a 'Money' (culpado) e, como escreve Harris, alimentando a raiva dos adolescentes «que se começam a querer rebelar contra o status quo». A rebelião ali contida teve de passar por muito – os temas foram apresentados ao vivo bem antes de serem gravados em fita – e a Humanidade ali presente choca de frente com o facto de, à altura, os Pink Floyd terem começado a andar de costas voltadas (novamente culpa de Waters). Mas é uma rebelião, contra o sistema, tome ele a forma que tomar. «A ideia de base que liga todas essas canções – as pressões da vida moderna – encontraram um público universal, e continuam a prender a imaginação das pessoas», apontou Nick Mason na sua autobiografia.

Claro que “The Dark Side Of The Moon” também tem falhas, nomeadamente, ter inspirado os Dream Theater a fazer um álbum de versões de merda. A outra foi ter marcado o início do fim dos Pink Floyd: para trás ficaram as longas jams psicadélicas, para a frente ficaram as canções polidas e o ego de Roger Waters, juntamente com a ansiedade provocada pelas editoras em busca de um volume dois: «Ficámos mais conscientes daquilo que cada membro da banda havia contribuído», escreve Mason, indicando o fim da democracia popular e o início de um comité central de um homem só. A última faísca dos velhos Pink Floyd brilhou no Live 8, quando 'Breathe' entrou no Hyde Park, Waters abanou a cabeça ao som de 'Money' e um abraço final pôs termo ao passado daquelas quatro pessoas; daí para a frente tudo foi miséria, bate-boca, tiradas absurdas. Este ano Waters prometeu lançar uma nova versão de “The Dark Side Of The Moon”, que independentemente das cópias que venda irá, sempre, falhar miseravelmente. Porque um lunático só é forte no meio dos seus semelhantes.

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